OPINIÃO

Na quarta-feira (4/4), ao julgar o Habeas Corpus 152.752 (Luiz Inácio Lula da Silva x STJ), o Supremo Tribunal Federal, por 6 votos a 5, denegou a ordem. Para além da liberdade do ex-presidente Lula, o STF decidiu que o princípio constitucional da presunção de inocência não impede a chamada execução provisória (antecipada) da pena.

Quando o Supremo Tribunal Federal diz que a odiosa execução provisória (antecipada) da pena não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, está a dizer que é inconstitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê, na esteira da Constituição da República, que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Neste diapasão, o Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propuseram ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs 43 e 44), a fim de que o artigo 283 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei 12.403/2011, seja declarado constitucional. Caso contrário, o STF deveria dizer — e não disse — que o referido dispositivo legal é inconstitucional.

Ao contrário do que muitos dizem, urge deixar claro — em razão de honestidade intelectual — que não é pelo fato de a Constituição consagrar o princípio da presunção de inocência que os chamados “bandidos perigosos” serão colocados em liberdade. Note-se que o ordenamento jurídico brasileiro já prevê modalidades de prisão provisória, como a prisão preventiva. A prisão preventiva pode ser decretada — apenas em caráter excepcional e quando não houver outra medida cautelar menos gravosa — como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (artigo 312 do CPP).

É preciso destacar que, dos cerca de 700 mil presos — terceira maior população carcerária do planeta —, 250 mil são presos provisórios, ou seja, que ainda não foram condenados definitivamente por uma sentença transitada em julgado. Como se percebe, a prisão provisória — medida de caráter cautelar extrema — tem sido utilizada muito além da sua finalidade. Ao longo dos anos, a prisão preventiva vem se transformando em antecipação da tutela penal, o que consiste em verdadeira afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Apesar do encarceramento em massa de jovens, negros e pobres, a grande mídia — com a construção do discurso do medo e da impunidade — faz duríssimas e inverídicas críticas aos juízes garantistas, que nada mais fazem do que julgar de acordo com a Constituição da República e em estrita obediência ao devido processo legal; lado outro, os meios de comunicação de massa exaltam aqueles magistrados que, em nome do “populismo penal” e do “midiático discurso da impunidade”, fazem do autoritarismo e do arbítrio suas profissões de fé, não se envergonhando de atropelarem direitos e garantias proclamados na Constituição.

Não é demais lembrar que dados da Defensoria Pública em relação aos julgamentos dos recursos dos mais pobres e mais vulneráveis perante os tribunais superiores revelam que, de algum modo, cerca de 50% desses recursos tiveram resultados positivos e, portanto, favoráveis aos condenados na segunda instância. Apenas, para ficar em uma única situação, basta dizer que, em 7% dos casos, a pena privativa de liberdade foi substituída por restritiva de direitos. Registra-se que 7% representa milhares de pessoas que deixaram o cárcere em razão de decisão tomada pelos tribunais superiores.

Tais dados são mais do que suficiente para demonstrar que o julgamento pela segunda instância não pode ser tomado como definitivo para fins de decretação da prisão na modalidade de execução provisória da pena.

Esse quadro demonstra, ainda, que a presunção de inocência, como bem salientado pela Defensoria Pública, não deve ficar restrito ao binômio “absolvição/condenação”, já que outras questões, principalmente as que dizem respeito ao quantum da pena, ao regime inicial de seu cumprimento e/ou a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Todas essas questões causam impacto direto na liberdade dos condenados.

Equivocam-se aqueles que fazem crer que o respeito à Constituição da República que assegura direitos e garantias fundamentais para todas e todos cidadãos representa impunidade e avanço da criminalidade. O respeito à Constituição e às liberdades fundamentais é um preço módico a ser pago por todos aqueles que vivem sob a égide do Estado Democrático de Direito.