OPINIÃO
Neste 11 de agosto, data em que celebramos o Dia da Advocacia, cujos profissionais são indispensáveis à administração da justiça nos termos expressos da Constituição Federal, colocamos em debate alguns pontos que hoje causam profunda preocupação à classe e a todo o sistema OAB: o ensino jurídico e o estelionato educacional promovido pelo MEC.
Acelerado nos últimos meses, o crescimento das autorizações para abertura de novos cursos de Direito Brasil afora é uma ameaça ao futuro do país. O ritmo é frenético, como demonstram os dados diariamente publicados. Somente em 2018, o Ministério da Educação deu luz verde para 131 novos cursos de Direito, o que abriu novas 18.050 vagas.
Educação não é mera mercadoria. É algo estratégico para o país e para o futuro de cada cidadão. A expansão que o MEC tem promovido nos últimos meses tem os traços de um final de feira, uma corrida contra o tempo em que todos querem se resolver antes do apagar das luzes. Não há muito critério, nem muito debate. O ritmo é industrial.
A ampliação da oferta de cursos não atende a uma demanda social, ela deriva de interesses meramente econômicos. O apetite contumaz do mercado, que deveria ser controlado pelo Ministério da Educação, tem sido estimulado pelo governo. As consequências serão extremamente preocupantes.
O Censo da Educação Superior de 2015 revela o potencial financeiro do curso de Direito. Foi o primeiro colocado em número de matrículas (853.211), o segundo em novos ingressos (258.143) e o terceiro em concluintes (105.324). Ou seja, mesmo com um mercado de trabalho já absolutamente saturado, a taxa de evasão é pequena e tem muita gente interessada em cursar, mas poucos têm avaliado as oportunidades de futuro.
Em 1999, a OAB aprovou projeto que consiste em atribuir periodicamente um selo de qualidade aos cursos de Direito que se destaquem pelo nível de ensino oferecido. Atualmente, o Selo de Qualidade da OAB segue seu propósito de contribuir de maneira incisiva na qualidade do ensino jurídico no país.
Na quinta edição, o Selo de Qualidade da OAB utilizou informações de mais de 1,3 mil cursos de instituições de ensino superior de todos os estados brasileiros. Desses, somente 142 receberam nossa chancela.
O descompasso entre o número de cursos existentes e aqueles que efetivamente atendem aos requisitos de excelência que consideramos imprescindíveis evidencia o panorama: uma parcela significa não tem compromisso com a qualidade do ensino, são uma armadilha para quem sonha em construir uma carreira sólida num mercado tão dinâmico. Sem falar nas assustadoras taxas de reprovação no Exame de Ordem, que evidenciam o despreparo dos bacharéis despejados todos os anos no mercado.
A graduação, além de elemento básico e obrigatório, é somente o primeiro degrau de um uma escada íngreme de especializações, reciclagens e preparações. Isso tudo sem contar os fatores tecnológicos que são um desafio novo com o qual todos os operadores do Direto terão de lidar.
Não há como se colocar diante deste cenário de forma leviana. O MEC não cumpre seu papel, enquanto o mercado de cursos de Direito não tem interesse em tais reflexões. O MEC pensa em dividendos políticos com as liberações e os cursos em faturar, lucrando cada vez mais com o dito ensino jurídico.
A OAB tem lutado incansavelmente para evitar o quadro de verdadeira degradação. Nos últimos meses, fomos ao Judiciário e atuamos junto ao MEC contra medidas alarmantes que pretendem desfigurar o ensino jurídico, como a até aqui frustrada tentativa de reduzir para três anos a duração do curso de Direito, com uma enxurrada de aulas a distância e o fim dos núcleos de prática jurídica. Que profissionais surgiriam disso?
Judicializamos também a tentativa sórdida do mercado em faturar alto com uma invenção pitoresca: cursos tecnológicos em Direito. Feitos sob medida para formar profissionais limitados a realizar aquilo que estagiários dos cursos de Direito devem fazer ao longo de sua formação. Nada mais.
Também temos atuado no âmbito do Congresso Nacional onde buscamos aprovar projeto de lei que transforme o parecer da OAB, hoje meramente opinativo, em vinculativo para a oferta de cursos de graduação em Direito, bem como o aumento de vagas nos já existentes.
A sociedade deve estar ciente do que vem acontecendo nos bastidores da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior e do Conselho Nacional de Educação, cuja composição incluí diversos membros oriundos de grandes grupos empresariais de ensino privado. Teriam suas redes de interesses mudado no ato da nomeação?
O MEC opera hoje em clima de liberou geral e os cursos de Direito são somente o primeiro e mais gritante alvo do mercado. Ao ameaçar o futuro do ensino do Direito no Brasil com uma expansão desordenada, desnorteada e desastrosa, as vítimas serão o cidadão e a sociedade, que terão levas intermináveis de profissionais sem capacitação para exercer papeis basilares na sustentação da democracia brasileira, a saber, a defesa do cidadão e o funcionamento do poder Judiciário e do Ministério Público.
Aqueles que investirem seu dinheiro nesses cursos também serão vítimas trágicas, posto que sofrerão um triste choque de realidade diante do Exame de Ordem ou dos concursos públicos mais desejados.
Temos notícia de que o vale tudo que o MEC promove já tem atingido também a área da Saúde, com graves informações dando conta de cursos de enfermagem a distância e de medicina sem instalações básicas para seus alunos, algo preocupante numa época em que o país lamenta notícias cada vez mais corriqueiras de vítimas fatais tratadas por egressos de instituições sem a menor condição de formar um médico.
O Brasil tem muitos problemas e eles exigem tratativas imediatas. Medidas emergenciais, entretanto, não podem impedir o real debate dessas questões. Não há um problema de nosso país que não possa ser resolvido em médio e longo prazos pelo aprimoramento da Educação. Por isso, é evidente que o tema não pode ser tratado com negligência e tão pouco condicionado ao mero apetite do mercado. O Brasil tem de fazer essa lição de casa.