OPINIÃO

Por Leonardo Isaac Yarochewsky

A barafunda jurídica causada pela decisão do desembargador Rogério Favreto que concedeu ordem de Habeas Corpus determinando a imediata soltura do paciente Luiz Inácio Lula da Silva deve — como toda e qualquer decisão judicial — ser analisada sob a ótica jurídica, e não, como fizeram os grandes meios de comunicação, sob o viés da política partidária.

É certo que a decisão de Favreto foi proferida em seu plantão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região — o mesmo que manteve a condenação do ex-presidente Lula, além de aumentar a pena de 9 anos e 6 meses de reclusão, que havia sido aplicada pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, para 12 anos e 1 mês de reclusão.

A defesa do ex-presidente impetrou Habeas Corpus (152.752) no Supremo Tribunal Federal para que Lula aguardasse em liberdade o trânsito em julgado da sentença, em nome do constitucional princípio da presunção de inocência. Contudo, no dia 4 de abril, por seis votos a cinco, foi denegada a ordem. Em decisão que afrontou o disposto na Constituição da República (artigo 5º, LVII), o STF entendeu que a presunção de inocência não impede a chamada execução provisória (antecipada) da pena.

O ministro Celso de Mello — decano do STF —, no julgamento do Habeas Corpus 152.752, acompanhando a minoria vencida, enfatizou que: “Nenhum dos Poderes da República pode submeter a Constituição a seus próprios desígnios, ou a manipulações hermenêuticas, ou, ainda, a avaliações discricionárias fundadas em razões de conveniência ou de pragmatismo, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de incondicional respeito, sob pena de juízes, legisladores e administradores converterem o alto significado do Estado Democrático de Direito em uma promessa frustrada pela prática autoritária do poder”.

Voltando à decisão do desembargador Rogério Favreto (domingo, 8/7), verificou-se que a mesma foi contestada pelo juiz de piso Sergio Moro — que está de férias em Portugal —, que afrontou a ordem do desembargado federal dizendo que, se a polícia cumprisse a ordem de Favreto, estaria descumprindo decisão da turma do TRF-4 que havia ordenado a prisão.

Ao tomar conhecimento do “despacho” de Moro, Favreto volta a dizer que mantinha sua decisão e que a ordem de soltura deveria ser cumprida.

Note-se que o que mais chama atenção no “despacho” do juiz da 13ª Vara Federal não é o fato de ele estar de férias em outro país, mas o fato de já ter se esgotado a sua “competência” — jurisdição — para o caso. Embora, como já dito alhures, Sergio Moro jamais tenha tido competência para julgar Lula, no presente caso está mais que evidenciada a ausência de jurisdição da 13ª Vara Federal de Curitiba.

A jurisdição, no dizer de Aury Lopes Jr., é um direito fundamental. Direito fundamental “de ser julgado por um juiz, natural (cuja competência está prefixada em lei), imparcial e no prazo razoável”[1].

Mais adiante, o processualista refere-se ao “princípio da inércia da jurisdição”, segundo o qual o poder somente poderá ser exercido pelo juiz mediante prévia invocação. Vedada está a atuação ex-officio do juiz (daí o significado do adágio ne procedat iudex ex-officio).

Desde que o ex-presidente Lula foi julgado pelo TRF-4, e preso em razão da abominável execução antecipada da pena, que o juiz da 13ª Vara Federal deixou de ter jurisdição para o feito.

Assim, a manifestação do juiz federal Sergio Moro, no presente caso, é descabida e inadequada, além de desrespeitosa, para dizer o mínimo, com o desembargador federal Rogério Favreto.

De igual modo, o desembargador relator João Pedro Gebran Neto — que quando do julgamento do recurso no TRF-4 agiu como advogado de defesa do juiz de piso, além de destilar todo seu ódio ao PT — também não poderia ter despachado nos autos determinando que a Polícia Federal não soltasse o ex-presidente Lula. Assim despachou Gebran Neto: “A decisão proferida em caráter de plantão poderia ser revista por mim, juiz natural para este processo em qualquer momento”.

Engana-se o desembargado relator, uma vez que o desembargador Rogério Favreto — “plantonista” — não é “menos” nem “menor” que os demais desembargadores do tribunal. Além de tudo, o desembargador de “plantão” tem jurisdição e competência para decidir os casos que a ele são levados.

Ressalta-se que o que está em questionamento não é propriamente a decisão de Favreto — certa ou errada. O que causa estranheza é, uma vez mais, a interferência imprópria e indevida de um desembargador na decisão tomada, legítima e legalmente, por outro. Outro, é necessário repetir, que detinha no momento, exclusivamente, a competência para proferir a decisão.

Ao final, por volta das 19h30 do domingo (8/7), o presidente do TRF-4, Carlos Thompson Flores, sob o manto de um inexistente “conflito positivo de competência” e em nome de uma obscura “segurança jurídica”, faz prevalecer a decisão do desembargador relator Gebran Neto, determinando que o paciente Luiz Inácio Lula da Silva permaneça preso.

Salienta-se que não se discute aqui o mérito da decisão tomada pelo desembargador Rogério Favreto. Contudo, é inconcebível em um Estado de Direito que princípios como o devido processo legal, a imparcialidade e a jurisdição sejam atropelados por interesses escusos e políticos em nome da sanha punitivista, alimentada pela mídia opressiva.


[1] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, volume 1. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 427-428.