"São casas simples com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
Pela varanda, flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar"

No Título que trata "Dos Direitos e Garantias Fundamentais" da Constituição da República (CR) está assentado que: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial" (art. 5, inc. XI da CR).

Como é sabido, os direito e garantias fundamentais devido a sua natureza e a sua importância fazem parte do que alguns constitucionalistas costumam chamar de cláusula pétrea (art. 60, § 4º da CR).

Os direitos fundamentais, sob a ótica de uma "nova hermenêutica", segundo o constitucionalista Paulo Bonavides,

"São a sintaxe da liberdade nas Constituições. Com eles, o constitucionalismo do século XX logrou a sua posição mais consistente, mais nítida, mais característica. Em razão disso, faz-se mister introduzir talvez nesse espaço teórico, o conceito do juiz social, enquanto consectário derradeiro de uma teoria material da Constituição, e sobretudo da legitimidade do Estado social e seus postulados de justiça, inspirados na universalidade, eficácia e aplicação imediata dos direitos fundamentais. Coroam-se, assim, os valores da pessoa humana nos seu mais elevado grau da juridicidade e se estabelece o primado do Homem nos seio da ordem jurídica, enquanto titular e destinatário, em última instância, de todas as regras do poder". [1]

Na Carta Imperial de 1824 já havia previsão, na esfera dos direitos civis e políticos dos brasileiros (art. 179, VII), que "todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incendio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar".

A Constituição Republicana, de 1891, em linhas gerais, repetiu os termos da Carta de 1824, pois, de acordo com o art. 72, § 11, da Constituição de 1891, "a casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode aí penetrar, de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir as vítimas de crimes, ou desastres, nem de dia senão nos casos e pela forma prescritos na lei".

De igual modo a Constituição de 1934, segundo a qual "a casa é o asilo inviolável do indivíduo. Nela ninguém poderá penetrar, de noite, sem consentimento do morador, senão para acudir a vítimas de crimes ou desastres, nem de dia, senão nos casos e pela forma prescritos na lei" (art. 113, n. 16).

Já a Constituição do Estado Novo, de 1937, apesar de assegurar a inviolabilidade do domicílio ao lado do sigilo da correspondência, o fez genericamente, não proibiu o ingresso durante o período noturno e deixou para o legislador regulamentar as hipóteses que autorizavam a intervenção no direito mesmo sem o consentimento do seu titular. Assim, de acordo com a referida Constituição, assegura-se "a inviolabilidade do domicílio e de correspondência, salvas as exceções expressas em lei" (art. 122, n. 6).

Com a redemocratização, a proteção do domicílio voltou a ser assegurada devidamente. De tal modo que a Constituição de 1946 dispôs que "a casa é o asilo inviolável do indivíduo. Ninguém poderá nela penetrar à noite, sem consentimento do morador, a não ser para acudir a vítimas de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer" (art. 141, § 15).

A Constituição de 1967, ainda que elaboradas na época do regime militar, (art. 150, § 10) e a Emenda n. 1 de 1969 (art. 153, § 10) mantiveram em geral os termos da proteção assegurada pela Carta de 1946, pois ambos os dispositivos referidos (1967 e 1969) dispunham que "a casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém pode penetrar nela, à noite, sem consentimento do morador, a não ser em caso de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e na forma que a lei estabelecer".

Embora seja evidente que durante a ditadura militar, como salientam Ingo Wolfgang Sarlet e Jayme Weingartner Neto [2], constantemente os direitos e a própria Constituição eram olvidados.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conforme já visto, proclama que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial" (art. 5, inc. XI da CR).

Conforme o magistério de José Afonso da Silva ao declarar que a casa é o asilo inviolável do individuo, "a Constituição está reconhecendo que o homem tem direito fundamental a um lugar em que, só ou com sua família, gozará de uma esfera jurídica privada e íntima, que terá que ser respeitada como sagrada manifestação da pessoa humana". [3]

Mais adiante, ao tratar do direito à segurança, o ilustre constitucionalista proclama que o recesso do lar é o "ambiente que resguarda a privacidade, a intimidade, a vida privada (...) o objeto da tutela não é a propriedade, mas o respeito à personalidade, de que a esfera privada e íntima é aspecto saliente". Aqui, a proteção constitucional é dirigida essencialmente contra as autoridades, visando impedir a invasão do lar.

A Constituição da República excepcionalmente autoriza a entrada na casa, sem o consentimento do morador ou autorização judicial, "em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro".

Quando se trata da violação de direitos e garantias fundamentais é necessário deixar assentado que as maiores arbitrariedade, bem como os abusos e a pratica de violência são cometidos contra os mais vulneráveis. Contra os pobres, negros, favelados... As violações de domicílio com os arrombamentos ocorrem e são corriqueiras nos barracos das favelas e nos casebres da periferia e do subúrbio. As coberturas do Leblon ou do Morumbi e seus moradores estão livres da truculência policial.

Não demora muito o governo e seus incompetentes ministros vão transformar as favelas em verdadeiros guetos, aprisionando todas e todos que vivem nas comunidades.

Sendo assim, a intenção do atual governo intervencionista em requerer ao Judiciário a expedição de "mandados coletivos de busca e apreensão" para atuação das Forças Armadas no Rio deve ser prontamente afastada e repudiada.

Não se pode em nome do fantasmagórico combate ao crime ou sob qualquer outro pretexto permitir que agentes (polícia ou exército) entrem, sem um mandado judicial específico, determinado, limitado e devidamente fundamentado, na casa – por mais humilde que seja – de qualquer morador, salvo nos casos previstos na Constituição da República.

Quando se trata das garantias e dos direitos fundamentais os fins jamais poderão justificar os meios. A luta pelos direitos não termina nunca. Não basta derrubar o fascismo, não basta conquistar direitos e garantias, é necessário uma vigilância e uma luta permanente para que o fascismo não recrudesça e que os direitos e garantias fundamentais sejam mantidos, mesmo em "tempos sombrios".

*Publicado no Justificando