RESPONSABILIZAÇÃO POSTERIOR

Por Tadeu Rover

A liberdade de imprensa e de informar não comporta censura. Mas é possível criar mecanismos de controle contra abusos, desde que não sejam prévios. A afirmação é do advogado Antonio Nabor Bulhões, que participou nesta terça-feira (13/2) de audiência pública sobre a liberdade de informar promovida pela seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil.

Publicidade opressiva deve ser tratada como crime de coação no curso do processo, defende Nabor Bulhões.
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Em sua exposição, Bulhões contou que há uma preocupação mundial com essa discussão dialética entre liberdade de imprensa e outros direitos do cidadão, principalmente ao de um julgamento justo e imparcial.

Bulhões critica o que publicidade opressiva, ou a prática de os meios de comunicação militarem para prejudicar a imagem pública de alguém. Para ele, é um problema especial quando se trata de julgamentos criminais, pois o noticiário tem influenciado juízes e até ministros. "O juiz não vive em uma bolha, ele recebe uma carga de informações e pressões que podem influenciar em sua decisão", diz Nabor.

Ele defende que a publicidade opressiva seja tratada como o crime previsto no artigo 344 do Código de Processo Penal, que define a "coação no curso do processo". Para Nabor, esse crime seria o "uso de meios de comunicação de massa para influenciar o exercício da jurisdição em desfavor de alguém".

Sem censura
Durante a discussão na OAB de São Paulo, ele disse que os grandes sistemas jurídicos do mundo estão debruçados sobre a oposição entre liberdade de imprensa e direitos individuais, estabelecendo mecanismos de controle, jamais de censura, entre a liberdade de informar e a de um julgamento justo e imparcial.

Na França, contou, o Código Penal de 1993 estabeleceu em lei limites de responsabilização posterior, sem que isso implicasse censura. De acordo com a norma, é crime fazer campanhas com o objetivo de influir em questões de natureza juridiscional.

Outro caso aconteceu na Áustria e foi levado até a Corte Europeia de Direitos Humanos gerando, segundo Nabor Bulhões, o acórdão mais profundo e expressivo sobre a ponderação de direitos e garantias num estado democrático de direito.

Segundo Bulhões, no caso Worm vs Áustria, o jornalista Alfred Worm foi condenado por publicar artigos que faziam juízo de valor para influir no julgamento de um ex-ministro acusado de fraude fiscal. Inconformado, o jornalista recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos, que manteve a sentença. Em sua decisão a corte concluiu que não se tratava de censura, mas de responsabilização pelo abuso na liberdade de informar.

"Assim, respondendo ao tema da audiência, é perfeitamente possível se estabelecer mecanismos de controle dos abusos que podem acontecer no âmbito da liberdade de informação. Desde que sejam limites no plano posterior", concluiu Bulhões.

Riscos frequentes
Advogada do jornal Folha de S.Paulo, Tais Gasparian apontou que, apesar de existir uma ampla liberdade de imprensa no país, há alguns riscos que surgem com frequência na tentativa de cercear essa liberdade.

O primeiro listado pela advogada foi a censura judicial. Como exemplo, ela contou um caso em que a Folhafoi proibida por decisão da Justiça Federal de publicar qualquer notícia com o nome de Daniel Dantas sobre a ação criminal que envolve o banqueiro e as empresas Kroll, Brasil Telecom e Telecom Italia — o grupo Opportunity nega que isso tenha ocorrido.

Outro risco frequente apontado por ela é a tentativa de abrir o sigilo da fonte do jornalista, como aconteceu com o jornalista Allan de Abreu, do jornal Diário da Região, de São José do Rio Preto (SP). A Justiça determinou a quebra de seu sigilo telefônico e de toda a redação do jornal para descobrir quem repassou a ele detalhes de uma operação policial ocorrida anos antes. Ao destacar a importância do sigilo da fonte, Gasparian lembra que o caso Watergate, no Estados Unidos, só aconteceu graças a essa proteção.

Um terceiro risco citado pela advogada é o chamado chamado direito ao esquecimento. Segundo ela, o tema está em voga, mesmo sem ter sequer um conceito sobre o que é isso. Ela conta que em alguns casos esse direito é invocado para tentar tirar um arquivo de notícia que está na internet. Em outros casos, o autor que foi pessoa pública o invoca na tentativa de não ser mais lembrado.

Gasparian aponta que há um projeto da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) chamado Ctrl+X que mostra quem são os atores que querem tirar os conteúdos da internet. "Os que mais querem são partidos políticos e os próprios políticos. E isso acontece principalmente em época de eleição", completa.

Sobre a possibilidade de responsabilização posterior pelos eventuais abusos da imprensa, a advogada aponta que é preciso ter cuidado pois há muitos casos de abuso de quem busca esse suposto direito. Uma situação na qual ela advogou envolve a jornalista Elvira Lobato que foi alvo de uma enxurrada de ações após publicar uma notícia sobre a Igreja Universal. "Foram mais de 100 ações, todas em juizados especiais, e nenhuma a menos de 400 km de alguma capital de estado", conta, classificando o caso como assédio judicial.

Sigilo da fonte é "direito fundamental dos jornalistas", diz Marcus Vinícius Furtado Coêlho em debate na OAB de São Paulo.
Divulgação

Ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, lembrou a importância da atuação da OAB na defesa da liberdade de imprensa e de informação. Em sua fala, lembrou que a entidade tem atuado sempre que há uma possível quebra de sigilo da fonte de jornalista.

Para ele, este é um direito fundamental do jornalista, uma vez que sem esse essa garantia a sociedade não será informada. "Esse é o preço que se paga pela informação", complementou. Ele lembra que o mesmo arcabouçou jurídico que protege o sigilo da fonte do jornalista é o que protege a conversa entre advogado e cliente, ou também o médico e paciente. "Há certos sigilos que constituem núcleos fundamentais", concluiu.