*Paulo Moreira Leite é colunista do 247, ocupou postos executivos na VEJA e na Época, foi correspondente na França e nos EUA
Reportagem de Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, é dessas denúncias que tem o mérito de confirmar aquilo que todos suspeitavam: a vantagem de Jair Bolsonaro na campanha presidencial não é fruto de métodos legítimos para convencer o o eleitor e ganhar votos, mas conta com auxílio importante da fraude e desonestidade.
Está tudo resumido aqui: "Empresários bancam campanha contra o PT pelo WhatsAPP", denuncia o jornal.
"Com contrato de R$ 12 milhões, prática viola a lei por ser doação não declarada".
Entre as empresas denunciadas, na trama, denuncia a Folha, "está a Havan. Os contratos são para disparos de centenas de milhões de mensagens". A Havan é uma velha conhecida do eleitor brasileiro por suas práticas antidemocráticas, típicas dos currais eleitorais da República Velha.
Com uma rede de 112 lojas e 12 000 funcionários, faturamento de R$ 4,7 bilhões, ela enfrenta uma investigação do Ministério Público Federal onde é acusada de coagir os empregados a votar em Bolsonaro. Como se os trabalhadores não fossem eleitores com direito a escolher o presidente da República de acordo com sua consciência, mas homens e mulheres submetidos a um regime de escravidão política, o proprietário, Luciano Hang, é aquele que gravou um vídeo no qual ameaça os empregados com o desemprego, caso não votem em Bolsonaro.
Diz Hang no vídeo: " Se você não for votar, se você anular seu voto, se você votar em branco e depois do dia 7 nosso país lamentavelmente ganha a esquerda e nós vamos virar uma Venezuela (sic). Vou dizer para vocês, até eu vou jogar a toalha”. Não se trata de um caso raro. Em várias empresas do país, grandes ou pequenas, ameaças desse tipo fazem parte do cotidiano pré-eleitoral de 2018.
A gravidade da denúncia da Folha é que não se trata do voto de alguns milhares de funcionários atingidos, fato em si gravíssimo, mas um operação que envolve a decisão de 147 milhões de eleitores, numa das dez maiores economias do mundo, a ser consumada em 10 dias, ou seja, no domingo 28.
Estamos falando de uma fraude em escala industrial. Um serviço chamado "disparo em massa", como diz a reportagem, que envolvem "centenas de milhões de mensagens", numa técnica cujo preço varia entre R$ 0,08 a R$ 0,40. Seria grave e ilegal, mesmo que fossem notícias verdadeiras. Mas a mercadoria entregue são as mentiras chamadas de fake news -- o que torna o serviço duplamente nocivo e criminoso, que ameaça transformar nossa democracia na ditadura do Grande Irmão.
Se fossem divulgadas pelos meios tradicionais de comunicação, como jornais, revistas, TV, as mentiras poderiam ser questionadas e desmascaradas em público. Percorrendo um caminho paralelo, no WhatsApp, estão protegidas como uma conversa ao pé de ouvido, um segredo fechado, como se fosse fofoca maldosa -- embora diga respeito aos destinos de um país inteiro. O que se oferece, ali, é impunidade para inventar e mentir, tarefa que a campanha de Bolsonaro tem utilizado acima de qualquer limite, sabemos todos.
É correto imaginar que uma denúncia desse valor deve ser apurada e investigada, com a apuração de todas as responsabilidades e respectivas providências.
Mas é ingenuidade imaginar que isso deve acontecer, muito menos no prazo necessário. Quando faltam dez dias para a eleição, o país vive uma conjuntura na qual o candidato Jair Bolsonaro encontra-se na frente, com chances reais de levar a eleição -- com ajuda dos métodos denunciados pela Folha.
Nessa conjuntura, é desejável mas difícil imaginar que Judiciário irá tomar uma atitude que exige isenção e senso de responsabilidade. Denuncias semelhantes, que envolvem a eleição de Donald Trump nos EUA, até hoje não deixaram as páginas do escândalo para se transformar decisões concretas. Na prática, Trump já trabalha para ser reeleito.
Sabemos que os antecedentes da atuação do Judiciário apontam na direção contraria. Foi o que mostrou a decisão do TSE em setembro, que ignorou uma decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU que exigia respeito pelos direitos do candidato Luiz Inácio Lula da Silva e impediu sua presença na campanha.
Neste quadro, a denuncia da máquina de fraudes de Bolsonaro deve se tornar um assunto prioritário da campanha e da definição de voto: após 130 anos de abolição da escravidão, os brasileiros não podem aceitar a vitória de uma campanha que pretende submeter o país a um regime de servidão política. A fábrica de mentiras deve ser assunto nas conversas de eleitores, nos debates e manifestações dos próximos dias. Num momento em que o presidente do STF diz que o Judiciário não deve tomar decisões sobre assuntos "polêmicos", a mobilização é o caminho para a população garantir seus direitos.
Alguma dúvida?