A decisão do ministro Luiz Fux, que tenta proibir duas entrevistas de Lula -- ao jornalista Florestan Fernandes Junior, do programa Voz Ativa, da Rede Minas, e a Monica Bergamo, da Folha de São Paulo -- marca a perseguição judicial no ponto máximo.

Depois de impedir Lula de disputar a presidência e cassar 3,4 milhões de títulos eleitorais em regiões que são uma tradicional base de apoio do Partido dos Trabalhadores e do PSB, o Judiciário afronta a Constituição ao tentar censurar a voz de Lula como cidadão.

O direito de Lula dar entrevistas, mesmo condenado, apoia-se na ADPF 130, aprovada por unanimidade pelo Supremo em abril de 2009, na qual se recorda que a " Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. "

Redigido no texto de inspiração barroca do relator, Ayres Bitto, a resolução afirma também que "o corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização."

Foi com base nesses princípios, comemorados em tom de celebração cívica no momento em que foram aprovados pelo plenário em votação unânime com ressalvas parciais de dois dos onze ministros, que Ricardo Lewandowski autorizou o depoimento de Lula aos dois jornalistas.

A competência de Lewandowski para tomar essa decisão não pode ser discutida. Inicialmente os pedidos de entrevista foram apresentados a primeira instância, em Curitiba. Acabaram recusados, como era previsível. Trata-se, contudo, de matéria constitucional, com conexão direta com o inciso IX do artigo 5 da carta de 1988, que diz, expressamente: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

Num ponto de particular interesse sobre a entrevista de Lula, a decisão de 2009 reafirma e desenvolve a noção define a liberdade de expressão como um valor universal, sublinhando que "não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia". Num país que já naquela época se encontrava às voltas com a chamada censura judicial, empregada em instâncias inferiores como um atalho para impedir a divulgação de notícias consideradas indesejáveis pelas partes interessadas, a sentença deixou um alerta preventivo contra proibições que poderiam ser ensaiadas no futuro -- como a decisão de Fux contra a entrevista de Lula. Assim, os ministros vetaram explicitamente a censura "procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica".

Alguns aspectos da decisão chamam a atenção pela rapidez e estranheza. Se houvesse fundamento para a iniciativa, o caminho normal para se tentar revogar a decisão de Lewandowski seria uma ação da Procuradoria Geral da República, a ser examinada pelo tribunal. Não. A PGR Raquel Dodge informou que nada tinha contra as entrevistas.

A ação de censura à entrevista não foi protocolada no STF por nenhum porta-voz da sociedade civil, aquele providencial cidadão anônimo que aparece nessas horas, mas pela advogada Marilda Silveira, do Partido Novo -- um partido político, com candidato a presidente, com um interesse eleitoral óbvio na proibição. Deve temer -- possivelmente com razão -- o impacto de Lula na reta final da eleição. Há um problema de competência, porém.

Embora seja o mais popular presidente da história da República, Lula não é candidato. Foi impedido, não custa recordar, com ajuda do próprio Partido Novo, que enviou a mesma advogada a tribuna do TSE para fazer coro pela rejeição da decisão do ComitÊ de Direitos Humanos da ONU a favor do respeito aos direitos políticos do ex-presidente.

A questão importante é que não cabe a um partido político questionar sua liberdade de dizer que pensa. A decisão de Lewandowski deixa claro que, mesmo recolhido a uma cela, Lula tem tanto direito de ser ouvido como qualquer outro cidadão.

Ao acolher o pedido do Novo horas depois que Lewandowski assinou a decisão, Fux chamou atenção pela rapidez e por um motivo especial, também.

A guerra de togas no STF já conheceu vários lances de exotismo e constrangimento. Mas há muito tempo não se via ( "nunca se viu", me diz uma jurista que segue os debates de perto) um ministro cassar a decisão de outro ministro. Não há hierarquia entre eles. Há uma tradição de respeito e civilidade.

Vice-presidente do STF, Fux está na presidência só até segunda-feira, quando o titular Dias Toffoli retorna de viagem e reassume. Empossado com um discurso de pacificação, Toffoli terá uma inesperada oportunidade de mostrar liderança na mais alta corte do país.

Vamos aguardar.