Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
A queda do delegado Giniton Lages do comando das investigações abriu uma inevitável preocupação do ponto de vista do esclarecimento da execução de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
O conjunto de provas apresentadas por Giniton para sustentar as acusações contra motorista Elcio de Queiróz e o matador Ronie Lessa chega a ser espetacular quando se recorda a impunidade reservada a crimes dessa natureza no país. Mas só surpreendeu quem não tinha maior intimidade com o caso nem com os bastidores da Polícia do Rio de Janeiro.
Giniton fazia parte da equipe montada pelo delegado Rivaldo Barbosa, que foi subsecretário de inteligência no período em que José Maria Beltrame ocupou a secretaria de Segurança Pública. Conforme depoimento de um graduado dirigente do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro ao 247, Rivaldo Barbosa "vinha demonstrado uma verdadeira curiorsidade para esclarecer a excução de Marielle".
No período no qual Rivaldo foi chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, os índices de esclarecimentos de homicídios no Estado seguiram baixos mas se elevaram de 2% de casos resolvidos para 20%. Também deixou um traço característico: o esforço de utilizar tecnologias de ponta e recursos telemáticos no esclarecimento de crimes, como se veria na apresentação do próprio Giniton.
Encarregado, três dias depois do crime, de investigar a morte de Marielle Franco e Anderson Braga, o delegado produziu um inquérito de 18 volumes, com 250 páginas cada um. A permanência de Giniton na função após as mudanças no primeiro escalão que acompanharam a troca do governo de Estado, representa uma decisão rara em casos semelhantes.
Pelas regras escritas e não-escritas da burocracia no país, que troca cargos de confiança são trocados ao sabor dos ventos da política partidária, o padrão era que fosse substituído em função de mudanças no primeiro escalão da administração.
Mas, numa reportagem sobre as trocas na máquina policial depois da posse do governo Wilson Witzel, o Dia noticiou a saída de Rivaldo e um conjunto de mudanças na área de segurança pública. Esclareceu, no entanto, que não iriam ocorrer substituições nas delegacias de homicídios. A razão apontada na época é surpreendente quando se recorda os últimos acontecimentos: "por causa do caso Marielle Franco, que ainda não foi elucidado. "
Tocando na principal discussão desde a queda de Giniton, há 40 dias uma reportagem de Rafael Nascimento publicada no Dia esclareceu que "a nova gestão optou por não mudar as equipes para que a investigação continue do ponto onde está, uma vez que já há indícios dos executores e do mandante dos assassinatos. " (O Dia, 9/1/2019). Está lá, com todas as letras.
O jornal advertiu: "Mudando o trabalho de mãos o crime levaria mais tempo para ser elucidado". Parecia um auspicioso acordo entre anjos. O pacto de convivência durou pouco, pois envolvia um equilíbrio difícil num ponto básico dos aparatos de Estado, a hierarquia.
Após a queda de Giniton, o Globo lembrou que, um ambiente de desconfiança absoluta contra vazamentos, até o acesso do novo titular da Polícia Civil, Antônio Ricardo, chefe hierarquico de Giniton, era bloqueado, "inclusive por computador. "
A "atmosfera ficou pesada entre os dois", registrou o jornal (13/3/2019).
Até a areia de Copacabana sabe que o destino do chefe das investigações foi resolvido no final da coletiva na qual emergiram as primeiras informações que comprovam a proximidade da família Bolsonaro com os acusados.
Como era possível prever com um mês de antecedência, a saída de Giniton representa um revés do ponto de vista do andamento da investigação.
O pergunta é saber se, com outro comando, a "fase 2", que diz respeito aos mandantes, poderá trazer resultados equivalentes a primeira.
Quando justificou a saída do delegado, o governador minimizou a importância do próprio Giniton: "O conhecimento da investigação o foi compartilhado com outros delegados. Não foi o Giniton que colheu as provas, mas quem direcionou".
Ao saber das prisões, Jair Bolsonaro deu uma declaração ressaltando dúvidas: "Espero que realmente a apuração tenha chegado de fato a esse, se é que foram eles os executores, e o mais importante, quem mandou matar", disse.
A experiência ensina que o esclarecimento de um crime político é um trabalho sempre difícil. Isso porque envolve indispensáveis conexões de criminosos com esferas mais altas de poder de Estado. Mas é possível reunir alguns fatores com peso particular no andamento dos trabalhos de investigação:
1 -- O controle político do aparelho de Estado e da máquina de investigação policial. Este elemento facilita e até estimula investigações que podem comprometer quem se encontra na oposição. Mas dificulta e embaraça uma investigação quando ela se aproxima de aliados de quem se encontra no governo, como ocorre com as conexões de familiares de Bolsonaro com as milícias, comprovadamente ligadas à execução de Mariella e Anderson.
2 -- O comportamento dos meios de comunicação. O tratamento é decisivo para manter o interesse sobre uma investigação ou para decretar que determinado crime tornou-se um "caso encerrado". Capaz de acobertar Bolsonaro quando lhe interessava impedir uma quinta vitória eleitoral consecutiva do Partido dos Trabalhadores, a mídia corporativa já dá sinais de que começa a temer a brutalidade de um jogo politico que não pode controlar. Enquanto ficar assim, o espaço a favor de uma investigação isenta pode crescer.
Acima de tudo, importa a reação popular. Bolsonaro encontra-se em seu nível mais baixo até aqui, numa sucessão de episódios desfavoráveis que incluem o vídeo obsceno do carnaval e sua identificação com a violência que produziu o massacre de Suzano. O Brasil ingressa num período em que as lutas sociais contra o governo devem se ampliar, a começar pela Previdência, que ameaça o futuro de várias gerações de brasileiros.Neste ambiente político, só pode crescer a convicção de que é inaceitável conviver com um sistema capaz de eliminar -- de modo tão covarde -- a vida de pessoas tão valiosas como Marielle Franco.
Alguma dúvida?