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Eleições livres são um dos mais explícitos indicadores de democracia de um país. No Brasil, no entanto, vive-se um paradoxo. Embora não se possa dizer que as eleições aqui não tenham um alto grau de liberdade e legitimidade, não há nada tão repressivo e autoritário quanto a legislação eleitoral.

Na Faculdade de Direito da UFF, bandeira antifascista foi considerada manifestação eleitoral, o que é proibido em universidade pela legislação eleitoral
Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFF

Na campanha eleitoral brasileira tudo é proibido. Até candidato é algo limitado: quem quiser concorrer tem de ficar na moita e só pode vender o seu peixe e pedir voto no chamado período eleitoral, que não passa de uns quatro meses, a cada dois anos.

A sanha repressiva das eleições ganhou corpo em 2004, quando as primeiras denúncias do mensalão revelaram que havia algo de podre no reino dos partidos e campanhas eleitorais. O diagnóstico então foi de que as campanhas eram muito caras e que corria muito dinheiro sujo por debaixo dos palanques.

Diante da constatação que seria muito difícil controlar a entrada do dinheiro, e que boa parte dele se tratava de “recursos não contabilizados”, o famoso caixa 2 que se caracteriza por não passar recibo, os legisladores eleitorais resolveram então controlar as formas de gastar a grana. A saída encontrada foi proibir tudo que consumia dinheiro na busca de votos: proibiram-se os showmícios e nunca mais se teve comício nem militância nas ruas. Proibiu-se distribuição de camisetas, bonés e brindes pelos candidatos, aboliram-se os outdoors e os cartazes foram milimetricamente regulamentados.

O sistema eleitoral brasileiro tem uma jabuticaba, que é a “propaganda eleitoral gratuita”. A invenção é até bastante apreciada por especialistas estrangeiros que vêm nela uma providencial igualdade de oportunidades para que todos os candidatos mostrem a sua cara na TV. Mas além de não ser gratuita, já que o espaço ocupado nas emissoras de televisão é devidamente remunerado com dinheiro público, o horário eleitoral obrigatório acabou criando as condições para que outras formas de propaganda em rádio, televisão ou jornal fossem praticamente proibidas.

E o que é pior: criou-se uma tremenda confusão entre o que é propaganda e o que é informação jornalística. Sob essa ótica, qualquer entrevista com político na mídia escrita, falada ou televisada podia ser considerada propaganda eleitoral. Se for fora do tempinho de caça aos votos, então, o crime é dobrado. Realmente, não se pode entender a lógica de que o político não possa ser candidato fora do período eleitoral. O saudável exercício do mandato é a melhor campanha de um candidato, só que ele não pode dizer que está em campanha, porque a lei não permite.

Nada sofreu tanto com a repressão eleitoral quanto a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. O objetivo é impedir que os meios de comunicação possam influenciar a livre escolha do eleitor. Mas sem informação, como é que o eleitor poderá fazer sua escolha?

Até se compreende que seja interditado o uso de espaços públicos para a realização de comícios, mas daí a proibir que estudantes discutam política na escola ou que padres e pastores falem dos rumos das eleições em suas igrejas denota apenas a prepotência de quem acha que as pessoas não têm maturidade para ouvir e decidir por si.

Lembro como se fosse hoje: em 1974, ditadura militar, houve eleições parlamentares. Como hoje, a escolha era difícil. De um lado havia os candidatos da Arena, o partido de sustentação dos generais; do outro, o MDB, a oposição consentida para manter a suposta boa aparência do regime. Para os jovens, como eu era então, a grande tentação foi pelo voto nulo. Livrei-me de minhas dúvidas na sala de aula. Rodolfo Konder, meu professor de jornalismo comparado, foi quem provocou a discussão, na qual chegamos à conclusão de que melhor era votar no menos pior – e o MDB teve uma vitória estrondosa que, vista assim de longe, pode ser comparada ao primeiro passo da marcha das Diretas Já, quatro anos depois.

Claro, o comício na sala de aula da escola de jornalismo da Faap em 1974 era absolutamente clandestino, pois aqueles eram os anos de chumbo do governo Geisel, o quarto general presidente da ditadura que ainda não havia iniciado a “abertura lenta, gradual e segura” do regime.

Mas não dá para acreditar que às vésperas do provável governo eleito de um capitão-presidente, a polícia, a mando da Justiça Eleitoral, esteja farejando fachadas de universidade em busca de faixas incriminadoras e auscultando conversas suspeitas em salas de aulas de faculdades para fazer cumprir a lei eleitoral vigente nestes tempos de democracia.

Pois aconteceu. No Rio de Janeiro, a juíza eleitoral Maria Aparecida da Costa Basto ordenou que fosse retirada uma faixa da facha da Universidade Federal Fluminense onde se podia ler: “UFF Direito antifascista”. Bom leitor das entrelinhas, o diretor da faculdade entendeu que “antifascista” era uma alusão ao candidato Jair Bolsonaro, o que explica a reação do presidente do TRE-RJ, Carlos Eduardo Eduardo da Fonseça Passos, para quem a faixa foi retirada por que “não é permitida a propaganda eleitoral ou partidária em bens de uso comum”.

Sobrou até para Roger Waters, compositor e fundador da banda Pink Floyd, também lá nos anos 1970. Está no Brasil em outubro para fazer shows de uma turnê comemorativa do disco The Wall, uma ópera-rock antifascista. Costuma fazer manifestação antifascistas e criticar governos autoritários em seus shows. No Brasil, tem criticado Jair Bolsonaro. No Paraná, o juiz Douglas Marcel Peres: "O livre e ilimitado exercício de manifestação encontra restrições" no período eleitoral.

Em Belo Horizonte, um juiz eleitoral ordenou que fosse tirado do site da Universidade Federal de São João del Rei um artigo que entre outras coisas dizia: “A poucos dias de uma das mais importantes eleições da curta experiência democrática brasileira, o momento é marcado, da parte de um dos candidatos à Presidência da República, por discursos de ódio e intolerância para com a diferença”.

No Rio Grande do Sul, o juiz auxiliar eleitoral Rômulo Pizzolatti proibiu a realização no recinto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul de evento “Contra o Fascismo. Pela Democracia”. O evento foi realizado na rua, debaixo de um viaduto.

Também houve averiguações ou apreensão de materiais ou suspensão de aulas em minas Gerais, no Rio Grande do Norte, no Ceará e no Pará. A presidente do TSE , ministra Rosa Weber, prometeu que vai apurar “eventuais excessos” em operações nas universidades. Não precisava se preocupar tanto. Em tempos de Whatsapp e Facebook, em que tudo é permitido e nada é apurado, o que precisa ser investigado e revisado é a própria legislação eleitoral brasileira, que falhou em impedir o caixa 2, como se pretendia inicialmente, mas que obteve amplo sucesso em reprimir a livre manifestação de candidatos e eleitores.

* é diretor de redação da revista Consultor Jurídico